sábado, 13 de novembro de 2010

Critica do Livro Leite Derramado, de Chico Buarque por Manuel Costa Pinto



Cada novo livro de Chico Buarque é saudado como um acontecimento, seja pela qualidade intrínseca de romances como "Estorvo" e "Budapeste", seja pela unanimidade que cerca a figura pública do compositor. No caso de "Leite Derramado", existe um ingrediente a mais para alimentar as discussões em torno do romance recém-lançado: Chico aborda um tema onipresente na obra dos grandes intérpretes do Brasil, como Gilberto Freyre ("Casa Grande & Senzala"), Caio Prado Jr. ("Formação do Brasil Contemporâneo") e seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda ("Raízes do Brasil".

“Leite Derramado", quarto romance de Chico Buarque, já foi devidamente esquadrinhado pela crítica brasileira. Os aplausos vieram de todos os lados, e não faltou quem torcesse o nariz. O romance, em resumo, é um relato, em primeira pessoa, feito por um velho com mais de cem anos de idade, num leito de hospital, rememorando sua juventude, quando conheceu e se casou com Matilde, a sétima filha da família de um político. Num discurso mais que embaralhado, ele também retoma a sua própria árvore genealógica, que vem lá de trás, do tronco de uma família que costumamos chamar de "quatrocentona". O jogo armado pelo escritor não é dos mais fáceis para o leitor. Há fios desencapados por todos os lados, a narrativa não para quieta e vai sendo tecida num ziguezague, como que levada pelas conexões subjetivas de uma memória que se fia e se desfia.

Em "Leite Derramado", estamos diante de um romance bem construído, com a mesma força de "Budapeste", que nas páginas finais desestabilizava tudo o que havia sido lido anteriormente. Se lá descobrimos, na última página, que tudo aquilo podia não ter passado de apenas uma ficção de José Costa, que aquela Budapeste é uma invenção e um sonho contrapondo-se ao Rio de Janeiro, em "Leite Derramado" podemos imaginar, pelas últimas páginas, que tudo que lemos é delírio de velho.



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