sábado, 13 de novembro de 2010

Biografia


Chico Buarque de Holanda

19/7/1944, Rio de Janeiro (RJ)

 

"O meu pai era paulista/ Meu avô, pernambucano/ O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baiano/ Meu maestro soberano/ Foi Antonio Brasileiro." Esses são os primeiros versos da canção "Paratodos", gravada por Chico Buarque em 1993. Nela, celebrando seus ascendentes familiares e seu padrinho musical (Tom Jobim, o "Antonio Brasileiro"), Chico presta uma homenagem a todos os brasileiros.
Nascido numa família de intelectuais (o pai foi o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda), Francisco Buarque de Holanda mudou-se ainda criança do Rio para São Paulo. Na capital paulista, fez os estudos primários e secundários no Colégio Santa Cruz, onde se apresentou pela primeira vez num palco, com "Canção dos Olhos", uma composição sua.

Em 1963, ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (que cursaria só até o terceiro ano). No ano seguinte, inscreveu-se no festival promovido pela TV Excelsior (São Paulo) com "Sonho de um Carnaval", cantada por Geraldo Vandré. Começou a ficar conhecido, passando a apresentar-se no Teatro Paramount. Ainda em 1964, participou do programa "O Fino da Bossa", comandado pela cantora Elis Regina. Sua primeira gravação, de 1965, foi o compacto "Olé Olá". A consagração, no entanto, viria com o festival de MPB da TV Record (São Paulo). Chico concorreu com a marcha "A Banda", que foi interpretada por Nara Leão e venceu o festival (junto com "Disparada", de Geraldo Vandré). Chico ganhou projeção nacional, e sua carreira tomou impulso.

Com o acirramento da ditadura militar estabelecida em 1964, a produção artística de Chico sofreu grande impacto. Em 1967, ele estreou o espetáculo "Roda-Viva", que acabou censurado. Em 1968, dada a repressão política, Chico preferiu o exílio na Itália. Ali nasceu a primeira filha, Sílvia (viriam ainda Helena e Luisa).
Voltou para o Brasil em 1970 e lançou o álbum "Construção" no ano seguinte. Em 1972, foi ator em "Quando o Carnaval Chegar", filme de Cacá Diegues para o qual havia composto várias músicas. Chico Buarque ainda faria a trilha sonora do filme "Vai Trabalhar, Vagabundo", dirigido pelo ator Hugo Carvana em 1973.

Também em 1973, em parceria com o dramaturgo Ruy Guerra, escreveu o texto e as músicas da peça "Calabar, o Elogio da Traição". A peça foi proibida, embora algumas canções tivessem sido gravadas em disco. Em 1974, Chico lançou o álbum "Sinal Fechado", interpretando músicas de outros compositores, e iniciou nova carreira, como escritor, publicando a novela "Fazenda Modelo". No ano seguinte, escreveu com o dramaturgo Paulo Pontes a peça "Gota d'Água".

Em 1975, Chico lançou o disco "Os Saltimbancos", uma fábula musical que ele traduziu e adaptou do italiano "I Musicanti", de Luiz Enriquez e Sergio Bardotti. As canções foram grande sucesso e serviram para a montagem teatral "Os Saltimbancos". Três anos depois, Chico escreveu e compôs as canções da "Ópera do Malandro", peça com a qual ganhou o Prêmio Molière de melhor autor teatral de 1978. Em 1979, publicou "O Chapeuzinho Amarelo", um livro infantil. Em 1992, viria o primeiro romance, "Estorvo" e, em 1995, o segundo, "Benjamin". Chico foi se afastando progressivamente da música para dedicar à literatura, e em 2003 publicou "Budapeste", romance que se tornou sucesso de público e crítica.

Sobre o livro


Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos.

Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira República, até o tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual. Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos. A visão que o autor nos oferece da sociedade brasileira é extremamente pessimista: compadrios, preconceitos de classe e de raça, machismo, oportunismo, corrupção, destruição da natureza, delinquência.
A saga familiar marcada pela decadência é um gênero consagrado no romance ocidental moderno. A primeira originalidade deste livro, com relação ao gênero, é sua brevidade. As sagas familiares são geralmente espraiadas em vários volumes; aqui, ela se concentra em 200 páginas. Outra originalidade é sua estrutura narrativa. A ordem lógica e cronológica habitual do gênero é embaralhada, por se tratar de uma memória desfalecente, repetitiva mas contraditória, obsessiva mas esburacada. O texto é construído de maneira primorosa, no plano narrativo como no plano do estilo. A fala desarticulada do ancião, ao mesmo tempo que preenche uma função de verossimilhança, cria dúvidas e suspenses que prendem o leitor. O discurso da personagem parece espontâneo, mas o escritor domina com mão firme as associações livres, as falsidades e os não-ditos, de modo que o leitor pode ler nas entrelinhas, partilhando a ironia do autor, verdades que a personagem não consegue enfrentar. Em suas leves variantes, as lembranças obsessivas revelam sutilezas ideológicas e psíquicas. E, como essas lembranças têm forte componente plástico, criam imagens fascinantes. É o caso do “vestido azul” comprado pelo pai para a amante, objeto de alta concentração significante. Esse objeto se expande, no nível da narrativa, como índice de elucidação da intriga, no nível fantasmático, como obsessão repetitiva do filho, e no nível sociológico, como ilustração dos usos e costumes de uma classe. Tudo, neste texto, é conciso e preciso. Como num quebra-cabeça bem concebido, nenhum elemento é supérfluo. Há também um jogo com os espaços onde ocorrem os acontecimentos narrados. As várias casas em que o narrador morou, como as décadas acumuladas em suas lembranças, se sobrepõem e se revezam. Recolocá-las em ordem cronológica é assistir a uma derrocada pessoal e coletiva: o chalé de Copacabana, “longínquo areal” dos anos 20, é substituído por um apartamento num edifício construído atrás de seu terreno; esse apartamento é trocado por outro, menor, na Tijuca; o palacete familiar de Botafogo, vendido, torna-se estacionamento de embaixada; a fazenda da infância, na “raiz da serra”, transforma-se em favela, com um barulhento templo evangélico no local da velha igreja outrora consagrada pelo bispo. Embaixo da última morada do narrador, nesse “endereço de gente desclassificada”, está o antigo cemitério onde jaz seu avô. Percorre todo o texto, como um baixo contínuo, a paixão mal vivida e mal compreendida do narrador por uma mulher. Os múltiplos traços de Matilde, seu “olhar em pingue-pongue”, suas corridas a cavalo ou na praia, suas danças, seus vestidos espalhafatosos, ao mesmo tempo que determinam a paixão do marido e impregnam indelevelmente sua lembrança, ocasionam a infelicidade de ambos. Os preconceitos e o ciúme doentio do homem barram a realização plena da mulher e levam-na a um triste fim, que, por não ter nem a certeza nem a teatralidade dos desfechos de uma Emma Bovary ou de uma Ana Karênina, tem a pungência de um desastre. Embora vista de forma indireta e em breves flashes, Matilde se torna também para o leitor, inesquecível. O fato de nem no fim da vida o homem compreender e aceitar o que aconteceu torna seu drama ainda mais lamentável. Os enganos ocasionados por seu ciúme são tragicômicos, e o escritor os expõe com uma acuidade psicológica que podemos, sem exagero, qualificar de proustiana. Outras figuras, fixadas a partir de mínimos traços, também se sustentam como personagens consistentes: o arrogante engenheiro francês Dubosc, que a tudo reage com um “merde alors”; a mãe do narrador, que, de tão reprimida e repressora, “toca” piano sem emitir nenhum som; a namorada do garotão com seus piercings e gírias. É espantoso como tantas personagens conseguem vida própria em tão pouco espaço textual. Leite derramado é obra de um escritor em plena posse de seu talento e de sua linguagem.
Leyla Perrone-Moisés

Chico Buarque ganha novo prêmio por 'Leite Derramado'


"Não li todos, não sei se mereço o prêmio, mas merecia estar entre os primeiros, talvez", disse Chico Buarque, ontem, após ganhar o Prêmio Portugal Telecom, um dos mais importantes para obras em língua portuguesa, por "Leite Derramado" (Companhia das Letras). "O livro não é mau."
O resultado, anunciado em cerimônia comandada por Jô Soares, já era esperado entre os presentes na Casa Fasano desde que, no início da noite, soube-se que o músico confirmara presença. O mesmo havia acontecido na quinta passada, quando ficou em segundo lugar na categoria romance do Prêmio Jabuti, mas levou a honraria na categoria principal de ficção, de livro do ano.
Pelo Portugal Telecom, Chico recebeu R$ 100 mil. Em segundo lugar, ficou o romance "Outra Vida" (Alfaguara), de Rodrigo Lacerda, que levou R$ 35 mil, e, em terceiro, o volume de poemas "Lar" (Companhia das Letras), de Armando Freitas Filho.
"Sou meio responsável por este prêmio. Falei: ''Se o Chico não ganhar eu não vou''", emendou Jô após o anúncio. Ansioso para chamar o músico ao cenário montado no formato de seu programa de TV, o apresentador nem citou os outros seis finalistas. Além dos vencedores, estavam indicados "AvóDezanove" e o "Segredo do Soviético", do angolano Ondjaki (único não brasileiro entre os concorrentes), "A Passagem Tensa dos Corpos", de Carlos de Brito e Mello, "O Filho da Mãe", de Bernardo Carvalho, "Pornopopeia", de Reinaldo Moraes, "Olhos Secos", de Bernardo Ajzenberg, e "Monodrama", de Carlito Azevedo.
O romance "Caim", de José Saramago, foi retirado da disputa na semana passada a pedido da Fundação Saramago e da Companhia das Letras. A organização optou por homenagem, com a presença da viúva do escritor, Pilar del Río. Ao lado da escritora Nélida Piñon, ela foi chamada ao palco no início da noite para falar sobre o autor e a fundação antes da exibição de trechos do documentário "José & Pilar". 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Critica do Livro Leite Derramado, de Chico Buarque por Manuel Costa Pinto



Cada novo livro de Chico Buarque é saudado como um acontecimento, seja pela qualidade intrínseca de romances como "Estorvo" e "Budapeste", seja pela unanimidade que cerca a figura pública do compositor. No caso de "Leite Derramado", existe um ingrediente a mais para alimentar as discussões em torno do romance recém-lançado: Chico aborda um tema onipresente na obra dos grandes intérpretes do Brasil, como Gilberto Freyre ("Casa Grande & Senzala"), Caio Prado Jr. ("Formação do Brasil Contemporâneo") e seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda ("Raízes do Brasil".

“Leite Derramado", quarto romance de Chico Buarque, já foi devidamente esquadrinhado pela crítica brasileira. Os aplausos vieram de todos os lados, e não faltou quem torcesse o nariz. O romance, em resumo, é um relato, em primeira pessoa, feito por um velho com mais de cem anos de idade, num leito de hospital, rememorando sua juventude, quando conheceu e se casou com Matilde, a sétima filha da família de um político. Num discurso mais que embaralhado, ele também retoma a sua própria árvore genealógica, que vem lá de trás, do tronco de uma família que costumamos chamar de "quatrocentona". O jogo armado pelo escritor não é dos mais fáceis para o leitor. Há fios desencapados por todos os lados, a narrativa não para quieta e vai sendo tecida num ziguezague, como que levada pelas conexões subjetivas de uma memória que se fia e se desfia.

Em "Leite Derramado", estamos diante de um romance bem construído, com a mesma força de "Budapeste", que nas páginas finais desestabilizava tudo o que havia sido lido anteriormente. Se lá descobrimos, na última página, que tudo aquilo podia não ter passado de apenas uma ficção de José Costa, que aquela Budapeste é uma invenção e um sonho contrapondo-se ao Rio de Janeiro, em "Leite Derramado" podemos imaginar, pelas últimas páginas, que tudo que lemos é delírio de velho.



Critica do Leitor


Alexandre Lucas Rocha Faria , em 19 de agosto, 2009, às 7:46 pm disse:
Sinto-me feliz e orgulhoso por ser um contemporâneo de Chico Buarque, cresci ouvindo o Chico. Ainda me lembro muito bem do meu primeiro LP que ganhei de meu pai. Desde então não parei de ouvir e lêr as suas obras.
Agora, a minha filha tem 04 aninhos, e aquele LP que ganhei de meu pai já coloquei pra minha filinha ouvir; que emoção eu senti. Chico rompe gerações. Algum dia se Deus me permitir, ainda vou conhece-lô pessoalmente. Chico, um forte abraço.
Alexandre.

Carolina Miranda , em 11 de agosto, 2009, às 10:33 pm disse:
Mais uma vez o Chico Buarque me encantou… Degustei este livro como se fosse um bom vinho. Lia cada capítulo com calma e sem pressa de chegar ao final. Simplesmente porque é maravilhoso ter o prazer de estar com esse livro em mãos… Vou guardá-lo e reler um dia… certamente!

Marcos Pontes , em 21 de julho, 2009, às 7:17 pm disse:
Conheço a lietratura de Chico desde Gota D’água. De seus romances ainda não li somente Benjamin e estou lendo, e me maravilhando, com o estilo e a história de Leite Derramado, mas não é esse meu intento com esse comentário.
Depois de lançar dois livros de contos de forma independente, acabo de concluir meu primeiro romance, que pretendo lançar por uma editora. Para isto estou em contato com agente. minha grande pretensão é poder mostrar os originais para o Chico e, se ele achar que vale a pena, um texto seu para a apresentação.
desculpem-me o meio de procurar esse contato, só o faço por não saber outro.
Espero ansioso por uma resposta, seja ela qual for.
Saudações.

Silvana Flávia Rossi Cervi , em 18 de julho, 2009, às 2:32 pm disse:
Chico,
Maravilha de livro. Me emociono a cada capítulo.
Um livro que recomendo, com todo prazer, uma história encantadora.
Vc nos orgulha muito. Valeu Chico!!!

dudu galisa , em 17 de julho, 2009, às 2:00 pm disse:
Sem nenhum exagero, Leite Derramado lembra-me García Marquez e Albert Camus, este com o Estrangeiro, aquele com Memórias de Minhas Putas Tristes e Crônica de Uma Morte Anunciada. Eu comparo a estes mestres que escrevem com leveza e sutilidade. Chico Buarque também escreve dessa maneira. Leite Derramado é um livro leve, saboroso e rápido. Chico durante todos esses anos na vida literária adquiriu um verdadeiro poder sobre as palavras, escreve sem verborragia, as usa na medida certa. Eu recomendo a todos.